Atitude interior diante do Espírito Santo
Nestes Exercícios me coloco diante dele, como um pequeno fruto colhido que deve amadurecer ao sol, como uma palha que deve ser queimada no fogo, como uma cera informe que deve ser absorvida pelo sol, como uma menina ignorante que deve ser instruída. Jesus disse: “Se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus” (Mt 18,3) … “Quem não receber o Reino de Deus como uma criança não entrará nele” (Lc 13,7). “Todo aquele que se faz pequeno como esta criança, este será o maior no Reino dos céus” (Mt 18,4) … Devemos renascer no Espírito Santo, explica Jesus a Nicodemos (cf. Jo 3). E depois este nascimento sobrenatural ocorrido no Batismo, viver segundo o Espírito Santo. “o que nasceu do Espírito, é espírito” (Jo 3,6). Ele se infunde na alma pequena, pobre, humilde. Quero apresentar-me a Ele nesta atitude e com aquelas disposições, eu invoco:
Vinde, Espírito Santo, santifica-me!
Tenho tanto desejo da santidade! Santifica-me Tu, faz-me santa, grande santa, logo santa, sem que eu o saiba, no escondimento do Carmelo.
Vinde, Espírito do temor de Deus, guardai-me!
O Espírito Santo nos convida: “Vinde, ó filhos, escutai-me: vos ensinarei o temor do Senhor” (Sl 118, 12).
Não se trata do temor servil, mas do temor filial do menino que não quer ofender seu pai.
O temor servil é temor da pena, do castigo, inspira medo de Deus, o faz refugiar depois da culpa, como Adão e Eva, o considera como juiz exigente, como o servo infiel da parábola dos talentos…
O temor filial ao invés, inspirado pelo Espírito Santo é temor casto da ofensa de Deus que inspira a delicadeza, de consciência própria dos santos e ao mesmo tempo confiança, como em Santa Teresa do Menino Jesus.
O temor servil é imperfeito; por isso é dito que “o amor perfeito expulsa o temor” (1Jo 4,18).
O temor filial ao invés provém do amor e o acompanha, como explica o Santo Padre João da Cruz no Cântico: “Quando a alma chega a ter com perfeição o espirito de temor, conseguiu já perfeitamente o espírito do amor; enquanto que aquele temor… é um temor filial e o temor perfeito de filho nasce do amor perfeito pelo pai (C 26, n.3). E na Noite Escura diz que: “O temor de Deus, quando está perfeito, está perfeito o amor, que é quando se faz a transformação por amor da alma”. O temor filial pode ser inicial: “Toda sabedoria vem do Senhor Deus” (Eclo 1,16) e quando é perfeito torna-se “coroa da sabedoria” (Eclo 1,22)
O temor imperfeito incuti medo, restringe o coração. O temor perfeito dilata e torna vigilantes e confiantes.
Santa Teresinha aludia ao temor servil quando dizia: “a minha natureza é tal que o temor me faz retroceder; com o amor não só vou adiante, mas voo”. E era sob o influxo do temor filial quando, antes da viagem na Itália, pedia fervorosamente à Nossa Senhora de guardar a sua pureza.
O dom do temor de Deus nos preserva das culpas formais e também das materiais, porque nos torna continuamente vigilantes, e nos coloca na disposição de sofrer qualquer coisa antes que cometer o pecado. Nos santos chega a fazer-lhes evitar também as mínimas imperfeições voluntárias, e se alguma vez o Senhor, para purificar a alma, permite que este santo temor, projetando uma luz, mais forte sobre o estado da alma mesma, lhe incute angústias, tormentos de morte, reconhecendo a própria feiura e maldade diante de Deus, isto é, porém efeito da paixão de amor e é ordenado à perfeita união com Deus.
O temor de Deus nos dá assim o conhecimento experimental da nossa pequenez, miséria e da infinita grandeza de Deus, inspirando-nos grande respeito por Ele, dando-nos o sentido da sua transcendência.
E a alma que possui este dom ao máximo, dominando os movimentos naturais e toda desordem, adquire a verdadeira paz e liberdade de espírito. Nas almas santas se nota então uma admirável harmonia entre natureza e graça; nela tudo é amável, modesto, puro. São verdadeiramente simples e o Senhor concede-lhes aqueles bens, aquelas alegrias que por Ele tinha sacrificado, pelo qual não parecem mais tão austeras, tão rígidas como outra vez; tudo é suave nelas e irradiam verdadeiramente o Espírito Santo de quem estão cheias. Oh! Como é bela a santidade!
Vinde, Espírito de piedade, alegrai-me!
O temor santo de Deus, isto é o respeito pela sua grandeza e o desejo de não o ofender jamais, vai acompanhado pelo amor e pela piedade filial que nos faz considerar Deus como Pai e nos leva a honrá-lo, a pedir-lhe como tal: “De fato, vós não recebestes espírito de escravos, para recairdes no medo, mas recebestes o Espírito de adoção filial e no qual clamamos: Abbá, Pai! O próprio Espírito se une ao nosso espírito, atestando que somos filhos de Deus…” “Todos aqueles que se deixam conduzir pelo Espírito de Deus, são filhos de Deus” (Rm 8, 15.14)
Este dom nos leva à infância espiritual; nos torna como crianças confiantes e amantes do Pai e nos inclina a dedicar-nos todas ao Senhor, a consagrar-nos todas a Ele, ao seu serviço, à sua glória, inspira amor por tudo aquilo que diz respeito ao culto divino, assim também pela Regra, as Constituições, etc. como expressões da Vontade do Pai.
Faz-nos considerar o próximo como irmãos e nos torna justos, benévolos, suaves… Torna-nos prontos a compartilhar os sofrimentos, os defeitos dos outros.
“A piedade é útil para tudo” diz São Paulo, porque dá a perfeita posse de si, a inteira submissão à vontade paterna de Deus, por isso nos inspira também veneração e amor sobrenatural pelos nossos superiores, em quem reconhecemos a paternidade, a autoridade divina…
Peço ao Espírito Santo com todo o coração de infundir-me este precioso dom, que me torne uma verdadeira menina para com o Pai dos Céus, e verdadeiramente “boa” no sentido mais vasto da palavra, com todos, especialmente para as minhas queridas coirmãs.
Vinde, Espírito de força, robustecei-me!
O dom da fortaleza nos faz enfrentar com coragem, suportar com paciência coisas difíceis e graves, superando todos os obstáculos. Torna-nos generosas, intrépidas, amantes do sacrifício. É muito útil na vida religiosa e especialmente no Carmelo onde a Santa M. Teresa queria almas viris, desejosas e resolutas no tender à plena perfeição, animas cuja característica fosse a totalidade. Devo, portanto, pedir humildemente esta coragem e o amor ao sofrer.
É o dom de que precisam as almas pequenas que, como as crianças, são fracas e se cansam logo. Também sob este aspecto devo desejar e pedir tal dom, degustando aquele texto de Isaías tão próprio da “pequena via”: “Deus eterno, Senhor…não se cansa nem se afadiga pois é imperscrutável a sua sabedoria. Ele dá força a quem é cansado e aos que desanimam aumenta a robustez e o vigor. Os adolescentes se cansam e afadigam-se, os jovens caem por fraqueza. Mas aqueles que confiam no Senhor adquirirão nova força, tomarão asas como águia, correrão sem fadiga, caminharão sem cansar-se” (Isaías)
Então a alma torna-se forte com a fortaleza de Deus: “Deus é minha força e a minha salvação… quem temerei?… O homem não se sustenta com a sua força” ( cf. Sl 26) “Tudo posso naquele que me conforta” (Fl 4,13).
“Não temerei as feras, ultrapassando os fortes e as fronteiras” (Cântico Espiritual 3).
A alma, não obstante a sua fraqueza, supera as tentações, não se prende aos obstáculos e cumpre obras grandes pela graça de Deus, e com esse dom de fortaleza que a revigora, suporta com paciência, com alegria o sofrimento, antes o abraça, o deseja: “Ou morrer, ou sofrer”!
Este dom dá também energias físicas sobrenaturais para suportar fadigas e cumprir mortificações que seriam superiores às nossas forças naturais e para tirar proveito da nossa mesma fraqueza: “Quando sou fraco então sou forte… de fato, a virtude se aperfeiçoa por meio da fraqueza” (cf. 2Cor 12, 10.9).
Invoco este dom com todo o coração para ser generosa no sofrer, segura que o Senhor desejará fazer-me o grande dom da sua Cruz e para obter de poder fazer bem a santa observância do Carmelo:
“Com prazer… me alegrarei nas minhas fraquezas, afim de que habite em mim o poder de Cristo” (2Cor 12,9). E se Jesus, o Forte divino, quis sofrer com lágrimas e gemidos, será então possível derramar lagrimas sob o aperto da dor, mas com plena resignação.
Vinde, Espírito do conselho, recordai-me!
Ó como sinto necessidade e desejo deste dom para discernir sempre a vontade de Deus, por isso o mais perfeito. Para saber julgar e agir sempre de modo divino.
O dom do conselho, de fato, aperfeiçoando a virtude da prudência, nos dá uma grande estima do fim único a que tendemos, e nos faz escolher com segurança os meios melhores, sabendo descobrir e servir-se daqueles meios que humanamente não pareceriam adaptos, mas que nos desígnios da divina Sabedoria, devem ajudar-nos a alcançar o fim. Assim, por exemplo, nos faz dar conta numa tentação de orgulho – combatida e vencida – um meio para praticar a humildade.
Sob o influxo deste dom sabemos falar ou calar, agir ou esperar sem hesitação ou incerteza. Este dom inspira toda a nossa conduta, o nosso modo de comportar-nos com o próximo, nos sugere as palavras oportunas, os atos aptos para praticar as obras de misericórdia.
Mas para obter este dom é preciso fazer-se pequenos; sermos humildes, desconfiados de si, do próprio juízo; recorrer confiantemente ao Senhor na oração, ao Pai espiritual e às superioras para a direção. É preciso ser simples e dóceis para receber e seguir a luz do Espírito Santo…
Numa decisão a tomar, numa resposta a dar, etc. habitar-me sempre a elevar a mente ao Espírito Santo e, se é possível, pedir conselho a quem me representa Deus, depois segui-lo com grande docilidade e respeito.
Ocorre, porém, mortificação para renunciar com prontidão às nossas curtas vistas, ao nosso modo de ver, seguindo logo a moção divina, o conselho do Espírito Santo e isto será sempre inspirado pela caridade, pela misericórdia, pela humildade.
Pedir ao Espírito Santo com ardor de iluminar-me nos momentos de dúvida, e encomendar-me à Nossa Senhora, Mãe do Bom Conselho, para que me obtenha este dom.
Vinde, Espírito de ciência, ensina-me!
Não se trata de ciência adquirida por meio do estudo, mas uma ciência experimental mística, infundida pelo Espírito Santo, ciência que diz respeito às criaturas, levando-nos de um lado a conhecer o nosso nada, a nossa miséria diante do Criador e de outra parte a amá-las na justa medida, ordenando-as a Deus.
É a ciência dos santos a qual o Senhor a revela na oração e através de provas especiais. Em alguns santos desponta mais o primeiro aspecto deste dom: desapego das criaturas; em outros santos o segundo aspecto: uso amável das criaturas como meio para elevar-se a Deus, para que desdobrem também nas criaturas o simbolismo que contém e pela beleza da natureza se elevam a Deus.
Este dom se liga ao temor de Deus porque nos faz compreender a gravidade do pecado (que contrapõe a criatura ao Criador) e há por fruto as lagrimas de contrição: “Felizes os que choram…”.
Para atingir a perfeita união com Deus e gozar da experiência da sua imensa bondade, é preciso ser desapegadas das criaturas e conhecer a sua pobreza, a sua limitação. O dom da ciência, através sobretudo das noites do espírito, nos faz tocar com a mão e despojando a alma lhe dá, pois, um precioso equilíbrio que a preserva de temer ou amar as criaturas de modo que a separem de Deus: “Quem nos separará do amor de Cristo?” (Rm 8, 35).
A alma iluminada por este dom pede a Deus como São Nicolau de Flüe: “Tira-me tudo o que me desvia de Ti; concede-me tudo o que aproxima de Ti. Arrancai-me de mim, afim de que eu viva tudo e sempre por Ti”. É a oração de São Francisco de Assis, de todos os santos: “Arranca, Senhor, a ardente e doce força do teu amor a minha mente de todas as coisas terrenas…” Este dom nos faz então apreciar os sofrimentos, as humilhações, nos faz praticar a verdadeira humildade.
Às almas humildes o Senhor revela então os seus segredos: “Com os simples e em secreta intimidade” (Pr 3,32). Ensina a “ciência do amor”: “Revelastes aos pequeninos” (Mt 11, 25). Ensina-a sem o rumor das palavras, mas fazendo-se sentir no mais íntimo da alma, em cada momento, como diz Santa Teresa do Menino Jesus. Esta ciência que provém do amor e da humildade é a verdadeira ciência, aquela do Espírito Santo. Eu a desejo ardentemente, não aquela que incha. A Imitação me adverte: “Que te serve pensar até o fundo da Trindade, quando não és humilde e por isso desagradas a Trindade? … quero antes sentir a compunção que saber como defini-la”.
Vinde Espírito de inteligência, ilumina-me!
“Dá-me inteligência, e eu observarei a tua Lei…” (Sl 118, 34). O dom da inteligência (intus legere) nos faz penetrar com uma luz infusa nos mistérios da fé, nos preceitos, nos conselhos; nos mostra toda a sua evidência, a credibilidade, a oportunidade sem, porém, tirar a obscuridade e o mérito da fé.
Faz nos ultrapassar a letra para agarrar o sentido da Sagrada Escritura, da doutrina de Cristo de quem nos faz compreender o sentido escondido, dando-nos luzes particulares.
É o dom que convém às almas contemplativas para fazer nascer nelas a contemplação. Devo pedi-lo com humildade, sem pretensões, mas com vivo desejo, recordando que Deus a concede às almas pequenas e humildes: “Dá entendimento aos pequeninos” (Sl 118, 130).
Este dom precioso refina e torna mais penetrante o nosso espírito, de modo que possa conhecer a verdade sobrenatural sem alguma confusão, nem erro. Dá-nos a evidência da verdade revelada e a calma que deriva dela julgando, não segundo o modo humano, mas divino, não sensível, mas espiritual.
A isso corresponde a Bem-aventurança dos “puros de coração” a quem é prometida a visão de Deus. Pureza que não se refere somente aos afetos, mas também à mente, expulsando dela toda nuvem de erro, toda incerteza, toda ilusão, estabelecendo a alma na verdade, pela qual esta vê Deus através da fé nesta vida e na de lá, o verá face a face, como Ele se vê.
Peço ao Espírito Santo de dar-me a inteligência do mistério da Cruz, dos rebaixamentos do Verbo divino, da infinita Misericórdia e Providência divinas, do meu nada, do seu tudo.
Vinde, Espírito de sabedoria, atrai-me!
A Sabedoria, diz São Bernardo, é o conhecimento saboroso das coisas de Deus, é próprio o dom dos contemplativos, das almas pequenas e humildes, como diz São João da Cruz:
“Adquirem a sabedoria de Deus somente aqueles que, como crianças ignorantes, despindo-se do próprio saber avançam com amor no seu serviço” (Subida 1,1 e 4, 4). E o Salmista diz: “o testemunho do Senhor, torna sábios os simples (Sl 18, 8); antes, a Sabedoria mesma, o Espírito Santo diz: “Se alguém é pequeno venha a mim” (Prov 9,4); “Provai e vede como é suave o Senhor!” (Sl 33,9).
Aqui se trata de depor o juízo humano e de julgar segundo a sabedoria divina: “…as coisas de Deus ninguém conhece senão o Espírito de Deus…este Espírito de Deus nós o recebemos… O homem espiritual julga todas as coisas…Nós temos o sentido de Cristo” (cf. 1Cor 2, 11.12.16).
Esta sabedoria é loucura para o mundo, mas para nós e a luz mais preciosa e a fonte da alegria, da paz. De fato, o dom da sabedoria que é comunicado à alma em proporção da caridade, corresponde a bem-aventurança dos pacíficos, daqueles que já conquistaram o pleno domínio sobre si mesmos e sobre tudo, nem se deixam mais perturbar por nada.
O dom da sabedoria é um conhecimento místico afetivo fundado sobre o gosto e a experiência íntima da doçura divina. Ela nos dispõe a julgar tudo segundo as causas mais elevadas, a ver tudo na luz de Deus, a julgar retamente “recta sapere” por uma certa conaturalidade com as coisas divinas e um gosto experimental de tais coisas.
É o amor que ilumina a inteligência e lhe dá uma penetração saborosa superior. É um saber tudo espiritual que não provem de um raciocínio, mas de uma espécie de instinto divino, um sentido sobrenatural, que tornou-se para a alma como natural, o “sentido de Cristo”. Temos então um conhecimento quase experimental de Deus, mediante a ação que Ele exercita em nós e mediante a alegria espiritual e a paz que provém dele. “O próprio Espírito dá testemunho ao nosso espírito que nós somos filhos de Deus” (Rm 8, 16).
“Ó como é suave, ó Senhor, o teu Espírito” (Sb 12,1)[3].
A alma não vê mais senão Deus, o vê como causa primeira de tudo: “em tudo isso que vê em si e fora de si, toca Deus, saboreia Deus, como inebriada e transbordante da plenitude da divindade”. “Os canais de um rio alegram a cidade de Deus, as tendas santas do Altíssimo” (Sl 45, 5).
A alma experimenta e compreende de verdade que “tudo coopera para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8,28) e vive feliz, segura, imersa em Deus, mesmo no meio as dores desta vida. É a vida da alma transformada.
Oh como desejo este dom! Mas para isso devo habituar-me a ver Deus em tudo e em todos: “O Senhor está!”
Não me perder nos detalhes, não parar nas causas segundas, mas subir para Deus, reduzir tudo Nele, reduzir tudo na unidade, no amor!