Tratado Vícios e Virtudes – Virtudes de Recolhimento – Contemplação

VIRTUDES DE RECOLHIMENTO

6.Contemplação

A contemplação não constitui mais uma escada como a meditação e a oração, mas pressupõe o último degrau da escada que é a união. Graças à contemplação, a alma tem pleno acesso a um céu que existe aqui na terra, desconhecido para a maioria.

A contemplação é graça especialíssima que o Espírito Santo dá a quem lhe agrada, geralmente a almas muito virtuosas e padecentes. Só concede esse dom especial a almas puras ou purificadas com sólidas bases morais. Graça muito grande é a da contemplação! Não só se eleva ao céu, mas apresenta-se diante de Deus, descobrindo, com maior ou menor clareza, até mesmo tesouros e segredos divinos! A alma contemplativa é separada de Deus só por um véu mais ou menos denso que se rasgará somente com a morte. A morte conduz as almas a tomar posse da vida que cá neste mundo vislumbram pela graça inestimável da contemplação.

A graça da contemplação tem gradações, todas elas ricas, preciosas e admiráveis, em razão dos puríssimos e magníficos efeitos produzidos na alma.

O próprio Deus ilumina e acalenta o campo florido da contemplação. Deus é o sol. Mas permite que nuvens interrompam e obscureçam seu esplendor diante das almas. Por vezes, chega até a eclipsar-se totalmente, deixando a alma nas trevas mais escuras.

Para algumas almas prediletas, a contemplação tem provações muito pungentes: mil tipos de lutas terríveis,desolações, desamparos cruéis e penosos, perante os quais a alma sucumbiria se não fosse sustentada por uma graça poderosa. A alma contemplativa experimenta terríveis abandonos e privações purificadoras em todas suas potências e sentidos. Essas desolações chegam a beirar a loucura e o desespero. A alma contemplativa sente-se como tomada por mãos de ferro que a despedaçam; como se estivesse sem saída, presa entre feras que a atacam e a destroçam com suas garras.

Por vezes também esconde-se o Amado, e sua ausência, então, torna-se tão penosa quanto mais aumenta seu amor que não tem medida. Esconde-se a fonte da Vida, e a alma se queda sem vida! Obscurece-se o Sol, e se queda nas trevas! Essa alma ditosa já não vive em si mesma, mas no Amado, pelo Amado, para o Amado. Ao ver-se separada da sua fonte, cai num estado de tão cruel sofrimento, que, sem o sustento da graça divina, certamente sucumbiria.

A alma contemplativa pratica toda espécie de oração em seu mais alto grau
de perfeição, de onde sai aquilatada, com um valor que só Eu posso apreciar.

Dentro da prática contemplativa, crescem igualmente as virtudes até sua mais alta perfeição. E crescem também, em dor e intensidade, as intensas provas que limpam e purificam a alma. Essas provas, muito numerosas e relativamente interiores, são todas cruéis. Há umas que purificam diretamente a vontade com grandes inquietações e terríveis lutas da imaginação.

Há também umas purificações interiores, na mesma substância da alma, que não se diferenciam das penas do inferno, a não ser pela duração. O corpo então perde suas forças e movimentos, mas mantém seu entendimento, e sofre uma atroz agonia na alma, sem poder-se mover, nem se queixar, nem lutar, sendo obrigado a deixar-se despedaçar e queimar interiormente no espírito sem a menor resistência. Às vezes, a alma, embora compreendendo perfeitamente que o demônio está gostando e se esbaldando em atormentá-la, é obrigada a deixar que esse inimigo cruel faça o que bem quiser! Mas tão repentinamente esse espantoso sofrimento a acomete, do mesmo modo deixa-a instantemente, sem poder ultrapassar o limite fixado por Deus. Esses movimentos internos da
alma são tão terríveis e imponderáveis,que partem o coração! Todavia, mesmo ali, no mais profundo desse purgatório interior, pode a alma adquirir méritos, conformando-se com a crueldade da sua condição e aceitando-a com paciência, e até com gozo (que cabe,sim, em tão angustiosa agonia), comprazendo-se da vontade de Deus,ainda na aflição produzida por tal tormento.

Em troca, após essas noites escuras, esses sofrimentos e essa purificação interior, volta o dia da misericórdia divina e resplandece novamente o esplêndido sol da divindade. E, como Deus não pode aproximar-se de nada impuro, pois a sujeira repele a infinita brancura, quanto mais transparente e cristalina.

Ele encontrar uma alma purificada, mas a ela Se revela, desvendando diante dela e de suas potências interiores (na proporção da purificação sofrida) os véus que cobrem a divindade.

Os raios divinos ferem a alma purificada nas desolações e desamparos interiores, tão viva e diretamente, que a enchem de grande conhecimento acerca das coisas de Deus,Aquecem-na no fogo ardente do Coração de Deus, infundindo-lhe, junto a esse intenso calor, uma Luz imensa e desconhecida, com a qual a alma distingue – oh, graça do Soberano! – as três divinas Pessoas e sua geração eterna! Admirada e extasiada por esse altíssimo conhecimento, mergulha nos segredos da eterna bem-aventurança do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Vislumbra com a Luz divina as infinitas perfeições, os sublimes atributos e o imenso amor dAquele que é só caridade! Também vislumbra, quais brotos dessa caridade, a Redenção, a Eucaristia e muitos outros mistérios que a deslumbram. Sente-se perdida, essa alma ditosa, num insondável oceano de felicidade, paz, inefáveis e puríssimas delícias, nadando como que dentro de um imenso lago de luz, com um bem-estar indizível e admirável para além de
qualquer ponderação! Num instante recorre imensas distâncias, mergulha em
insondáveis arcanos, alheios a qualquer inteligência; voa a alturas incomensuráveis, cheia de um gozo sobre todo gozo, de uma felicidade sobrenatural e divina, e de uma paz que o mundo não conhece. A alma então ama com uma pureza e intensidade nunca experimentadas. Contempla a si mesma encoberta de uma veste de graça e de uma luz jamais imaginada.

Aqui a alma sabe claramente de que está sendo agraciada e purificada diante de Deus, para além de qualquer dúvida.

Porém esse conhecimento, longe de enaltecê-la a seus próprios olhos, humilha-a e põe-na numa atitude de agradecimento vergonhoso que a impulsiona a prorromper interiormente em atos de amorosa gratidão. O calor,nessas situações, às vezes sobe a ponto de fazer palpitar o coração, inflamando o rosto. Por vezes, a alma também experimenta esse efeito, com mais ou menos intensidade, na oração amorosa.

Algumas vezes,esse ardor contemplativo chega a tal grau na alma pura, que, à guisa de uma leve pluma, levanta o corpo a certa altura da terra,infundindo-lhe tamanha leveza,que sobe e sobe,por mais que queira deter-se. Essa levitação ocorre com a alma na hora mais impensada, mas sempre antecedida por um forte fogo no coração.

Para livrar-se de mil artifícios enganosos do demônio durante a contemplação, é necessário um diretor espiritual sábio e santo que conheça por experiência o caminho, suas armadilhas e tropeços.

Necessita também de claridade, simplicidade e franqueza a toda prova.

Só Deus conhece as riquezas que se escondem na contemplação, assim como seus grandes perigos. Sabes onde põe o Espírito Santo a imensa graça da contemplação? Sabes onde coloca suas elevadas alturas? Na humilhação profunda, no ocultamento e na escuridão de uma alma puríssima e sacrificadíssima. Sem essas condições indispensáveis, o Espírito Santo não desce nas almas com graça tão especial. Toda contemplação que não tenha em si essas qualidades divinas, é nula, falsa e oferece inúmeros perigos.

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