Vícios opostos às Virtudes de Humildade
3.Ira
A ira é filha de Satanás e tem em sua essência a mais refinada soberba. A ira é uma paixão cega que em suas manifestações desenfreadas ofusca e turbaa razão. Esse vício terrível é sempre veemente e desvairado. É incompatível com a paz do Espírito Santo, o repouso, a serenidade, a prudência, a justiça, o domínio de si, a humildade e outra multidão de virtudes.
Na alma iracunda, habita Satanás. A ira repito-o procede diretamente do fogo da soberba e do orgulho. Esse vício tem em si a chama envenenada da vingança. É fogo que incendeia o coração, agitando as potências da alma e corrompendo seus atos.
A ira é fruto da sensualidade e do prazer.Toda alma que vive conforme seus caprichos, leva-a consigo. A penitência, a mortificação, a autoflagelação dominam a ira e extinguem na alma essa maldita paixão que tantos e tão grandes males causa à pobre criatura.
Ninguém imagina os terríveis pecados e os crimes espantosos causados pela ira. Uma alma possuída por tão tremenda paixão, cega em seu furor, é capaz de perpetrar os mais horríveis atos.
Com seus sentidos alterados, o homem irado iguala-se a um bruto sem razão. Nada é capaz de deter a fúria de um coração iracundo que se desborda: como torrente impetuosa, tudo arrasta diante de si e nada o detém até consumar-se sua vingança.
A ira destrói a ordem. Desequilibra a alma em todas as suas operações.
Incapaz de autodomínio, a alma irascível não encontra paz, quietude e tranquilidade.
A ira existe em toda classe e condição social, em todo estado e ocupação.
Entretanto encontra terreno fértil num coração inculto que jamais se preocupa de arrancar os cardos, dominar a si mesmo e ser virtuoso.
Pode ser encontrada também nos santos que, com seu temperamento colérico, inclinam-se à ira.
Os santos, porém, aproveitam-na para o bem: lutam, vencem a si mesmos, logram grandes conquistas e com seus méritos moldam a eterna coroa celeste.
A ira é propriamente uma paixão que o coração culpado transforma em vício, permitindo que cresça, se desenvolva e transborde. A alma espiritual põe freios e domina essa paixão. A alma sensual, pelo contrário, solta as rédeas da ira, que, sem freios, domina o espírito, avassala-o, põe-no a seus pés e pisa-o.
Oh, inaudita desordem! A alma dominada, pela graça teria meios suficientes para pisar e repelir as paixões, mas não o faz! Quantas almas assim há no mundo! A maioria vive à vontade, escrava de vícios de que deveria ser senhora!
De onde vem tanto mal? Da sensualidade, da falta de sacrifício, do abandono total da Cruz.
A ira vai sempre em busca de alguém a quem ferir. Se não o pode pelas obras, o faz pela murmuração, seu braço direito.
Tenho explicado suficientemente a ira ordinária entre os que são do mundo. Mas existe também outro tipo de ira, de natureza espiritual. Consiste num íntimo desdém da alma em relação a Mim, e num arremedo de paciência misturada com ira, que se inclina não para a Minha vontade, muitas vezes difícil de ser aceita, mas para a realização do seu próprio querer.
Essa ira disfarça-se com a capa da mais fina hipocrisia. Eu, porém, a conheço. A alma irosa, por vezes vê claramente sua ira; outras vezes, de tão oculta que está dentro dela, não a enxerga, embora se expresse por uma inquietação interior e um profundo arrependimento.
A ira espiritual perfeita consiste numa espécie de profunda tristeza que excita e irrita a alma contra a vontade divina. A soberba mais delicada e oculta está aqui, fazendo a alma pensar que é credora daquilo que Eu não lhe dou.
Com isso, sente revolta contra Mim e desafia até certo ponto Minha justiça.
Tudo isso, porém, com mil disfarces de uma fingida resignação que o próprio Satanás põe astutamente no espírito do homem.
A alma que tem em si a ira espiritual perfeita, sente uma íntima aversão contra Deus, que em si é má e deve ser emendada com atos de puríssima resignação e santo abandono. Satanás consegue disfarçá-la com a aparência de uma grande virtude, apresentando-a como fome e sede de grande perfeição.
Revela-se assim o espírito mau que infunde a ira espiritual perfeita nas almas boas, turbando-as internamente e manchando-as com a baba asquerosa do seu veneno infernal.
Geralmente, o demônio usa a ira espiritual perfeita na secura, aridez e dificuldade da oração, e manipula-a, infundindo na alma abandono e desolação.
Remédio contra a ira comum e ordinária (vício que aborreço infinitamente, porque vai totalmente de encontro à mansidão e à doçura do Meu Coração) é o domínio de si com seu séquito de virtudes morais.
Paciência e humildade também são armas fundamentais para derrotá-la.
Virtudes combativas, como firmeza, fortaleza e constância, também têm aqui um grande campo de ação.
A ira espiritual é curada pelo desprezo de si; por uma profunda, firme e sincera humildade; agradecendo imensamente o menor dom ou a menor graça recebida; considerando-se uma alma absolutamente indigna dos maiores favores.
A ira espiritual perfeita encontra seu remédio no completo e total abandono à vontade divina: a alma morre a si mesma, a seus gostos e vontades, sacrificando-se inteiramente a Mim, com todos os seus sentidos e potências, querendo apenas o que Eu quero ou não quero dar-lhe, com a santa e perfeita indiferença de uma alma pura e imolada por puro amor.
As almas que agirem assim, serão felizes. Satanás terá muita dificuldade em cativá-las. Será vencido e enxotado com essas armas poderosas, pois jamais poderá atravessar as trincheiras da humildade e da Cruz.